Mito-Ufologia: Estimulante para o cérebro
- por Mark A. Raimer, escritor e editor-chefe da Rhesus Monkey Magazine
Nota do autor: Este artigo procura humonalisar (humoristicamente analisar) o nexo entre o fenômeno ufo e o arquétipo transcultural do ‘pregador de peças’ [Trickster, ou Trapaceiro]. Ele não é oferecido como nenhuma teoria ontológica ou argumento validativo relativo à identidade ou origem dos ufos – ou, se for assim, do ‘pregador de peças’. (Além disso, nós já não ouvimos o suficiente dos dois campos – os Verdadeiros Crentes versus os Céticos Dogmáticos – em relação ao fenômeno ufo por um bom tempo?)
Vamos apenas chamá-lo, como eu chamo boa parte de minha prosa, "estimulante para o cérebro"
"Eles o agarraram sob o céu, tiraram suas penas, e o Coiote caiu ao chão onde ficou inconsciente. Logo ele acordou e viu um pouco de mingau. ‘Parece que meus amigos deixaram algum mingau para mim’, ele disse enquanto o comia. Quando ele terminou de comê-lo, sentiu um calafrio em sua cabeça. Então ele a tocou e disse, ‘Foi o meu próprio cérebro que eu estive comendo?’" – Lenda Paiute, "Quando o Coiote deu a luz"
"Isto não é lógico." – Sr. Spock, Star Trek
- Nós começamos com Hermes, protetor da natureza e condutor de almas ao submundo. De acordo com Edith Hamilton, guru reconhecido da mitologia Grega clássica, o deus pregador de peças Hermes é o mensageiro divino de Zeus que "voa como o pensamento". (cf. Carl Jung observou que ufos "não se comportam como corpos mas como pensamentos sem peso".) Hermes é representado com sandálias aladas, denotando velocidade e vôo, e veste um chapéu coroado curiosamente similar em forma às figuras de "discos voadores".
Hermes possuía o Caduceu, um bastão mágico recebido do deus Apolo (de onde as missões espaciais lunares tiraram seu nome). O Caduceu era feito de madeira e ouro, sobreposto de asas e duas serpentes entrelaçadas. Estas cobras trançadas encaram uma à outra em um padrão parecido com a hélice espiral dupla do DNA. Isto parece especialmente interessante, considerando que o Caduceu geralmente representa a medicina; Nós ainda achamos este padrão usado, por exemplo, pelo Cirurgião Geral americano. De acordo com a mitologia grega, o bastão possuía poderes sobrenaturais sobre os sonhos, tanto acordados quanto no sono. Pesquisadores inclinados a desconsiderar o fenômeno de abdução ufo como uma forma de "paralisia do sono" podem tomar nota especial disto.
Pan era o filho de Hermes e serviu como o patrono da fertilidade, florestas e rebanhos. A maioria de nós sabe que este deus pregador de peças era apenas meio humano, tendo o torso e a cabeça de um homem (com pequenos cornos), orelhas pontudas e as pernas de um bode ou cachorro. Pan era notório por inspirar medo em viajantes, e é de onde nós temos a palavra "pânico". Pan também tocava uma flauta lembrando os remanescentes de uma ninfa, chamada Syrinx. Este conto inspirou a ópera de Mozart A Flauta Mágica e nós ainda as achamos vendidas como brinquedos infantis. Syrinx é a mesma palavra que denota um órgão de voz altamente desenvolvido de pássaros que cantam, os quais as vocalizações complexas têm mesmerizado humanos desde a aurora da história.
De Pan nós temos Peter Pan, o menino mágico que voa sem medo de envelhecer. Peter Pan nos leva aos gnomos e fadas comuns em histórias européias antigas. Estes "arquétipos", como Jung deveria dizer, têm reaparecido à "mente coletiva" mais recentemente como o Sr. Spock. Quando nós despimos nosso amigo Vulcano de seu uniforme Star Trek, nós encontramos a imagem familiar parecida com a do gnomo em um humanóide de orelhas pontudas com grande inteligência.
A flauta de Pan invoca imagens do Oriente Médio onde encantadores "hipnotizam" serpentes mortais. (cf. as serpentes do Caduceu). Isto também nos lembra o Flautista, que alegadamente apareceu em Hamelin, Westfália em 1284 para livrar a cidade de ratos. Ele cumpriu a tarefa ao atrair os roedores ao rio Weser com sua flauta mágica. Quando as pessoa da cidade negaram o pagamento do Flautista, ele encantou todas suas crianças rumo a uma caverna secreta na montanha de onde eles nunca emergiram.
Este modus operandi, é claro, não é novo na mitologia da Espaçonave Terra. Por exemplo, o mito irlandês do Gentio e a Dama do Trenó escocês [NdoT: e o nosso Homem do Saco], e as crianças que eles alegadamente seqüestraram vêm à mente. De acordo com o pesquisador americano Walter Evans-Wentz, uma descrição comum do Gentio diz que ele vive em cavernas entre as montanhas. Outras lendas ao redor do mundo lidam com temas similares. Em um contexto mitológico mais moderno, como qualquer Trekkie (ou seria trekker?) pode lhe assegurar, residências na terra natal Vulcana são mostradas como cavernas tecnológicas dentro de montanhas rochosas. Note também que um dia de navegação pela literatura "paranormal" na internet pode produzir um excedente nauseante de mitologia relacionada à bases alienígenas e entidades subterrâneas (e.g., os baixos "Greys" supostamente operando abaixo da Area 51, que incidentalmente são comandados por uma raça reptiliana de acordo com uma fonte).
De acordo com uma versão de uma lenda Paiute, como recontada pelo Navajo chamado Oga-Make em 1948, uma raça avançada de seres chamados Hav Musuvs habita(ra)m as montanhas Panamint e há muito tempo desenvolveram "canoas voadoras". Estes seres, Oga-Make disse, foram as origens dos relatos de "disco voador" ocorrendo na época do famoso avistamento de Kenneth Arnold perto do Monte Rainier. Nós devemos dar atenção especial às duas armas cilíndricas que os Hav-Musuvs usavam: 1. um tubo curto, que lembra a lingüeta prateada de uma flauta de pan (Flauta de Pan, Syrinx), que pode paralisar, mesmerizar e hipnotizar suas vítimas (como um combinado de fusão mental Vulcana e o golpe na nuca patenteado de Spock), e 2. um tubo longo, que pode infligir morte (análogo à Pan através de Hermes, o "condutor de almas ao submundo").
Parece apropriado incluir as versões dos índios americanos do pregador de peças aqui, que se encaixam no quebra-cabeça muito bem. Primeiro, nós temos a longa história documentada pelos xamãs nativos americanos que conheciam o Trickster como "o espírito da planta peiote". Ele era comumente chamado Mescalito, de acordo com Weston LeBarre e outros pesquisadores, e muito freqüentemente aparece como um personagem verde coberto de verrugas com orelhas pontudas. (cf. os Vulcanos de orelhas pontudas e sangue verde, o traje verdade de Peter Pan e a frase mais comumente usadas para denotar inteligência extraterrestre: "homenzinhos verdes").
O Trickster também veste a máscara do Velho Coiote no mito nativo americano. Na tradição Hopi, por exemplo, o Coiote toma o papel como o de Pandora, mandando as estrelas erraticamente na expansão negra da noite. Ele faz isto ao perturbar a ordem dos Gêmeos da Guerra, uma metáfora comum em várias culturas do mundo, mas melhor conhecida na mitologia romana como Rômulo e Remo, os filhos do deus da guerra Marte. Incidentalmente, estes gêmeos da guerra foram criados por um lobo. Como se a semelhança lobo/coiote já não fosse suficiente, Plutarco nos assegura que o único outro animal que ajudou a criar os gêmeos da guerra foi um pássaro que canta (Syrinx), nos levando de volta a Pan e Hermes.
No universo Star Trek, Rômulo e Remo são a terra natal de uma raça extraterrestre descendente dos Vulcanos. Uma vez que a humanidade cresce e alcança a viagem mais rápida que
a luz, nós temos um primeiro contado com uma inteligência extraterrestre (novamente, vulcanos). O primeiro contato leva ultimamente à fundação da Federação Unida dos Planetas, uma espécie de utopia que espera a humanidade de acordo com a profecia de ficção científica de Rodenberyy. Na mitologia romana, quando Rômulo e Remo cresceram eles fundaram Roma.
Voltando aos mitos e lendas dos antivos americanos, nós descobrimos que o Velho Coiote pode tomar a forma de uma lebre. Isto se liga ao clássico coelho branco associado com a mágica e reemerge como o astuto Coelho Br’er das estórias afro-americanas. Da mesma forma, muitos irão se lembrar da manifestação céltica Pookah, um espírito travesso mas geralmente benigno que tira grande deleite em intrometer-se em assuntos humanos. O pookah foi feito famoso pelo filme Harvey, o nome de um coelho branco de quase dois metros de altura que apenas Jimmy Stewart podia ver. No filme, Harvey age como o amigável "aliado espiritual" de Stewart – para ligar de volta o pregador de peças à medicina através de terminologia xamânica. (Quaisquer conexões feitas entre a aparição freqüente do pregador de peças como um coelho e a lepufologia – o estudo de avistamentos de ufo nos quais coelhos desempenham um papel significante – permanece como responsabilidade do leitor.)
Joseph Conrad observou que, "Este figura ambígua, curiosamente fascinante do pregador de peças parece ter sido a principal personalidade mitológica do mundo da estória." Conrad notou que o pregador de peças é tanto o arquétipo do herói que traz conhecimento e o bobo desajeitado que Jung sugeriu. O pregador de peças é o constante ordenador/desordenador do universo (uni-verso) pelo mundo da mitologia antiga.
À parte dos aliens e do Sr. Spock, nós vemos que o pregador de peças já vestiu muitas máscaras novas se olharmos com atenção. Caso em questão: O Pernalonga e o Papa-Léguas. A analogia mais óbvia pode ser desenhada no Wile E. Coiote, o "super gênio" sujeito a acidentes. Como os Vulcanos, o Gentio, o Flautista e assim por diante, Wile E. Coiote vive em uma caverna. Incidentalmente, sua caverna está na mesma área do deserto que a fortaleza dos Hav-Musuvs na terra que os Paiutes atribuem ao deus do fogo Tomesha. Fogo, Conrad explica, é o tema central no mito do pregador de peças. (cf. "Fogo no Céu", como a roda de fogo vista por Ezequiel no Antigo Testamento). No mito germânico/escandinavo, o deus pregador de peças aparece como o mexeriqueiro Loki, cuja natureza "era aquela do fogo". A Encyclopedia Mythica nota que Loki também foi referido como "O Viajante do Céu". Na mitologia romana, a propósito, o deus do fogo é chamado Vulcano.
Voltando aos desenhos animados: Não importa o quão desastrosos seus planos se mostrem, nós ainda gostamos do velho Wile E. Coiote por sua absoluta imprevisibilidade. Para sermos justos, como qualquer observador sério de Looney Tunes notará, são geralmente equipamentos defeituosos ou flutuações nas leis físicas que são os culpados por suas falhas e não o próprio Coiote. Mesmo assim, ele permanece condenado a nunca comer sua presa alada, como Prometeu foi eternamente torturado pela bicada de um pássaro em sua carne por dar o fogo à humanidade. Nestas mesmas linhas nós deveríamos reconhecer Pookah e o Coelho Br’er olhando para nós de trás da máscara de disfarce do Pernalonga, um personagem que possui claramente os traços clássicos do arquétipo herói-pregador de peças. O pernalonga até aponta para o céu em sua saudação "e aí?" e chama as vítimas de sua travessura "velhinho" [em inglês, ‘doc’] – uma curiosidade apenas depois de considerarmos que os xamãs-pregadores de peças, ou Heyokah, alegadamente curam seus pacientes fazendo-os curar a si mesmos inadvertidamente.
Ufólogos devem achar também ironicamente engraçado que nas palavras de Edith Hamilton, o Pregador de Peças "era o salvador da humanidade" – uma função Angélica também conferida por muitos a nossos "Irmãos do Espaço" durante a era dos Contatados no fenômeno ufo.
Os hindus também parecem bem familiares com o Pregador de Peças, conhecido por eles como Hanuman o Macaco Divino. Hanuman desempenha um papel quintessencial no Vaishnavismo, o "culto" do deus Vishnu. Quando não está dançando, nós achamos Vishnu cavalgando Garuda (a grande besta alada) ou descansando em Shesha (a grande serpente) – levando-nos de volta ao símbolo da serpente alada da medicina, o Caduceu de Hermes.
Na mitologia egípcia o pregador de peças de aparência mutante era chamado Djhowtey, o deus da mágica e sabedoria que inventou a escrita e aritmética. A egiptologia apresenta o Djhowtey como um homem babuíno com cabeça de cachorro – um amálgama aberrante do Velho Coiote, Hanuman o Macaco Divino e talvez a própria humanidade. Isso é curioso.
Os gregos conheceram Djhowtey como Thoth (ou Thot), que podia parar o fluxo do Tempo. (cf. O "fator Oz" e "tempo perdido" alegado pelos que experimentam o fenômeno ufo). Também lembra a palavra "Thoth" do livro Thot de Aleister Crowley e seu baralho de tarô – como pintado por Lady Frieda Harris. Neste sistema pictorial da Cabala, o pregador de peças é facilmente identificado como mago da trombeta [trump Magus] no baralho, representando (geralmente falando) sabedoria, perspicácia, fraude, roubo, destreza, mensagens e aumento da inteligência. Nós também achamos o ovo alado dourado nesta carta que, de acordo com Gerd Ziegler e outros historiadores ocultos, denota percepção extra-sensorial e telepatia. Parece adequado que da palavra Magus venha a palavra mágica.
Durante o período Helenístico os Gregos identificaram Thoth como uma manifestação com cabeça de íbis (homem pássaro) do Hemes que muda de forma – que leva esta mistura herética de volta de onde veio, reafirmando as ligações entre o Pregador de Peças e o Caduce, serpentes, asas, sabedoria, medicina, xamanismo, Mescalito, mensagens, aumento de inteligência, fraude, o Velho Coiote, Wile E. Coiote, Pernalonga, Coelho Br’er, lepufologia, Pookah, Pan, a Syrinx, pássaros cantantes, os Hav-Musuvs, o Gentio, fadas, gnomos, Peter Pan, "homenzinhos verdes"… e o Sr. Spock.
Em Philosophy of Physical Science, Eddington escreveu:
"Nós achamos uma estranha pegada nas praias do desconhecido. Nós inventamos teorias profundas, uma após a outra para explicar sua origem. Enfim, nós conseguimos reconstruir a criatura que fez a pegada. E, veja! Somos nós mesmos."
Estimulante para o cérebro, de fato.
***
"Mito-Ufologia: Estimulante para o Cérebro" (Mytho-Ufology: Ginger for the Brain) é copyright (c) 2000, 2002 por Mark A. Raimer. Está reservado para aparecer em seu próximo livro ‘L if E’. Todos os direitos reservados. O autor recebe com prazer perguntas, comentários, reclamações, correções e enigmas via e-mail: markraimer@mac.com
Referências
Mythology, by Edith Hamilton (Boston: Little, Brown & Company, 1942).
"Tribal Memories of the Flying Saucers," in FATE magazine (Llewellyn Worldwide, Ltd., September 1949).
The Peyote Cult, by Weston LeBarre (New York: Schocken, 1969).
The Masks of God; vol. I Primitive Mythology, vol. III Occidental Mythology, vol. IV Creative Mythology, by Joseph Conrad (New York: Penguin Books, 1976).
Flying Saucers: A Modern Myth of Things Seen in the Skies, by Carl Jung (translated by R.F.C. Hull, Princeton University Press, 1978).
American Indian Myths and Legends, by R. Erdoes and A. Ortiz (New York: Pantheon Books, 1984).
Dimensions: A Casebook of Alien Contact, by Dr. Jacques Vallee (New York: Ballantine Books, 1988).
A Coyote Reader, by W
illiam Bright (Berkely: University of California Press, 1993).
The Shaman, by P. Vitebsky (London: Duncan Baird Publishers, 1995).
The UFO Book: Encyclopedia of the Extraterrestrial, by Jerome Clark (New York: Visible Ink Press, 1998).
The Book of Thoth: A short essay on the tarot of the Egyptians, by Aleister Crowley (York Beach: Samuel Weiser, Inc., 1998).
The Star Trek Encyclopedia (updated & expanded edition), by Michael Okuda and Denise Okuda (New York: Pocket Books, 1999).
Encyclopedia Mythica online (Winter 1998), http://www.pantheon.org/mythica/