A Lâmpada Mágica: Mil e Uma Reinterpretações Tecnológicas

por Kentaro Mori, editor CA

Por que esfregar uma lâmpada? Não seria mais adequado apertar um botão? Girar uma alavanca?
O problema desses métodos é que envolvem partes móveis. Um objeto projetado para durar milhares de anos exposto às intempéries não deve confiar em partes mecânicas. Assim, ao esfregar uma lâmpada você estará realizando um ato que não envolve propriamente o movimento de um mecanismo, mas que mesmo assim pode ativar um sistema. Como?
Ao esfregar uma lâmpada você gerará uma pequena quantidade de calor por fricção. Um sistema suficientemente sofisticado pode trabalhar a partir dessa energia para ativar todo um sistema inativo até então. Mas este sistema pode ter seus defeitos. Por exemplo, como garantir que ele não seja ativado inadvertidamente por uma fonte de calor que não seja a fricção? Se a lâmpada chegasse perto do fogo ou mesmo fosse subitamente iluminada pelo sol forte ela poderia ser “˜enganada”™ a pensar que foi esfregada.
Mas isso pode ser contornado. O sistema pode ser projetado de forma a reconhecer o padrão de geração de calor e só ser ativado por um padrão compatível com o de um esfregar de mãos. De forma adicional, há outro efeito que geramos ao esfregar uma lâmpada: geramos eletricidade estática. Como a lâmpada é um condutor e como o corpo também pode ser, nenhuma quantidade muito significativa de potencial poderá ser acumulado, no entanto a eletricidade, e também seu padrão, podem ser suficientes para ser reconhecidos.
Combinando esses elementos parece que temos um sistema de ativação ideal para durar milênios, sem partes móveis e ainda intuitivo. Sim, porque como diversas variantes das histórias de Aladim contam, ele esfregou a lâmpada apenas para limpá-la. E, sem saber, ao esfregá-la ele gerou certa quantidade de calor e também alguma eletricidade estática em um padrão característico, que finalmente ativaram a lâmpada em seu sofisticado e bem projetado sistema.
O fascinante a respeito deste vôo de imaginação é que ele faz algum sentido. O sistema de ativação que vimos parece realmente capaz de suportar um bom tempo, sem ser ativado na hora errada e ainda por cima tendo uma manipulação intuitiva. Confesso que tentei imaginar algum outro método, e embora esteja certo de que deva haver outro ainda melhor, não consegui imaginá-lo.
Por exemplo, pode-se criar um “˜botão”™ sem partes móveis, um contato de metal que detecte uma diferença de indutância ou qualquer outra variação decorrente da aproximação da mão à lâmpada. Mas este sistema estaria mais sujeito a ser “˜enganado”™. Uma forma de contornar o problema seria criando vários botões, ainda sem partes móveis, que devam ser tocados em uma ordem correta. Neste caso, ganhamos robustez e simplicidade, mas perdemos em intuitividade. A menos que alguém já saiba de antemão qual o código a apertar, terá que passar algum tempo tentando diversas seqüências, e isso se souber que há uma seqüência a ser seguida. Ainda mais: as seqüências devem ser razoavelmente complexas para evitar uma ativação acidental.
O que devemos pensar disto? Será a história de Aladim verdadeira? Existiu uma lâmpada mágica que devia ser esfregada? Será que estamos descortinando o sistema de ativação de um artefato tecnológico incrivelmente avançado criado sabe-se lá por quem ou pelo quê? Podemos estar razoavelmente certos de que a resposta é negativa. Se a máxima de Clarke “Toda tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica” leva a pensar que tecnologia pode ser erroneamente confundida com mágica, é preciso lembrar que a relação é recíproca: mágica também pode ser erroneamente confundida com tecnologia. Principalmente mágica suficientemente bem-imaginada.
Um grande indício da reciprocidade esquecida da “lei” de Clarke é como embora a lâmpada mágica pareça ter alguma plausibilidade em sua ativação, o tapete voador das mesmas Mil e Uma Noites parece carecer completamente de verossimilhança. Se você conseguir encontrar alguma interpretação tecnológica pela qual um tapete poderia transportar pessoas e viajar pelo mundo, por favor, não hesite em me mandar um e-mail contando os detalhes antes de ficar multibilionário com sua novíssima… invenção.

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Confira:

The Arabian Nights – Um bom website sobre ‘As Mil e Uma Noites‘.

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