Seleção natural, amém!
“O que mais me irrita em Biologia é que tudo é do jeito que é por causa da Seleção Natural!”
Foi esse o desabafo que ouvi de um aluno bastante interessado na disciplina de Biologia de um cursinho. E não é para menos… Sabemos (hmmm nem todos…) que não somente a Seleção Natural intercede na evolução, mas uma série de outros fatores, como a seleção sexual, o fluxo gênico e a vicariância, por exemplo. Mas, será que nossos alunos sabem disso?
Ano passado dediquei alguns esforços para elaborar um mini-curso sobre evolução destinado ao colegial. Parte da motivação veio da minha antipatia com o modo com que vários livros didáticos tratam o assunto. É patético: você vê um quadrinho esquemático onde estão as ditas “Evolução Lamarckista” e “Evolução Darwiniana”, uma em cada coluna com uma comparação simplista entre as duas, isto quando não traz desenhos paupérrimos com as caricaturas dos dois cientistas. O assunto é tratado como sendo a coisa mais simples e para aprendê-lo, basta a decoreba. Aposto que o leitor, se não for um estudado no assunto, não sabe que Darwin apresentava muitos argumentos lamarckistas para defender a evolução.
Quando idealizei o mini-curso, me preocupei com alguns assuntos muito importantes, geralmente deixados de lado em aulas ordinárias de colegial (ora, entenda-se “ordinárias” por “habituais”): a idéia do tempo geológico, os mecanismos da evolução e um bom bocado de discussão sobre idéias evolutivas e as diferentes proposições sobre a dinâmica da vida ao longo da história. Esta parte foi o que realmente despertou o interesse nos alunos. Ter a idéia do que é fazer ciência, de como ela funciona e como mudou ao longo do tempo faz toda a diferença. Esta idéia deixa claro aos alunos que nem tudo (ou melhor, quase nada…) está pronto, em se tratando de Biologia.
A percepção de que os cientistas não são pessoas escolhidas, que não estão no topo de uma torre de marfim (como diz um grande amigo meu…) isolados em seus pensamentos parece tornar as ciências mais próximas da pessoa leiga, pois proporciona uma sensação de algo mais palpável, logo, mais interessante. Talvez pelo aluno perceber que quem mais entende do assunto (os cientistas) nem sempre acertam de primeira, ou por conhecer outros interesses destes profissionais além da ciência, como esportes, bares, farras, mulheres, ideologias etc., ou seja, não passam de seres humanos.
A evolução é um assunto árido, pesado, intimamente relacionado à filosofia, à cultura, aos interesses humanos, pois ela tange o cerne de uma importante questão frequentemente levantada: qual a origem das coisas vivas? Abordar evolução apenas com um quadrinho esquemático tosco parece ser falta de bom senso, uma agressão à Biologia. Então, por que o assunto é tão mal tratado no colegial? Não sei… talvez exatamente por ser extremamente complexo.
Eu penso (e eu diria que todos os outros pesquisadores do ensino de ciências também) que uma reformulação do ensino de Biologia no colegial deveria ser realizada. A evolução deve ser o início, ao invés da célula. Aprender as estruturas celulares, o DNA e todas as moléculas orgânicas não fornece nenhuma base para aprender evolução porque ela não é uma simples definição: ela é como a gravidade ““ está aí, acontecendo ““ porém, não a percebemos, o que torna tudo muito mais difícil. Para percebê-la, não basta deixar uma maçã cair ao chão. É preciso muito mais, como por exemplo, saber trabalhar com inferências históricas, ou simplesmente saber a diferença entre evolução e seleção natural (é… nem todo professor sabe separar uma da outra ““ POXA! EVOLUÇÃO E SELEÇÃO NATURAL SÃO DUAS COISAS DISTINTAS?).
Fica a dica aos professores leitores deste texto: procurem dedicar um pouquinho mais de tempo à evolução e à sua história. É muito bom para nós, biólogos, e melhor ainda para nossos alunos. Fica aqui a dica para os alunos, leitores deste texto: a Biologia não é chata! Era você que estava com sono :D. Aos leitores ordinários (novamente, habituais): obrigado pela paciência em ler o texto até o final!
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