Velikovsky em Colisão

Stephen Jay Gould, traduzido do SJG Archive
publicado em Natural History, Março 1975 

Há não muito tempo, Vênus emergiu de Júpiter, como Atena de Zeus – literalmente! Ele assumiu então a forma e a órbita de um cometa. Em 1500 AC, na época do êxodo judeu do Egito, a Terra atravessou a cauda de Vênus duas vezes, trazendo bênção e caos; maná do céu (ou em verdade hidrocarbonetos da cauda cometária) e os rios sangrentos das pestilências de Moisés (ferro da mesma cauda). Continuando seu curso errático, Vênus colidiu com (ou passou raspando em) Marte, perdeu sua cauda e ficou em sua órbita presente. Marte então saiu de sua posição normal e quase colidiu com a Terra em aproximadamente 700 AC. Foram tão grandes os terrores destas épocas, e tão ardente o nosso desejo coletivo de esquecê-los, que eles foram apagados de nossas mentes conscientes. Contudo eles ainda espreitam dentro de nossa memória herdada e inconsciente, causando medo, neurose, agressão e manifestações sociais como a guerra.

Isto pode parecer o roteiro de um filme mal-feito passando de madrugada na televisão; no entanto representa a teoria séria de Mundos em Colisão [Worlds in Collision] de Immanuel Velikovsky. E Velikovsky não é nem louco nem charlatão – embora para declarar minha opinião e citar um de meus colegas, ele esteja no mínimo gloriosamente errado.

Mundos em Colisão publicado vinte e cinco anos atrás continua gerando intenso debate. Também gerou uma série de questões periféricas aos argumentos puramente científicos. Velikovsky foi certamente mal tratado por certos acadêmicos que buscaram suprimir a publicação de seu trabalho. Mas um homem não atinge o status de Galileu meramente por ser perseguido; ele também deve estar certo. As questões científicas e sociológicas são separadas. E então, os tempos e o tratamento de hereges mudaram. Bruno queimou até a morte; Galileu, depois de ver os instrumentos de tortura, ficou em prisão domiciliar. Velikovsky ganhou publicidade e royalties. Torquemada era mau; os inimigos acadêmicos de Velikovsky, meramente tolos.

Por mais impressionantes que suas alegações específicas possam ser, eu estou mais interessado no método não ortodoxo de investigação e teoria física de Velikovsky. Ele começa com a hipótese de que todas as histórias relatadas que têm observação direta nas crônicas antigas são estritamente verdadeiras – se a Bíblia relata que o sol parou, então ele o fez (enquanto o puxão de Vênus brevemente parou a rotação da Terra). Ele tenta encontrar alguma explicação física então, por mais estranha que seja, para tornar todas estas histórias tanto mutuamente consistentes quanto verdadeiras. A maioria dos cientistas faria exatamente o oposto ao usar os limites de possibilidade física para julgar quais das lendas antigas poderiam ser literalmente precisas. Secundariamente, Velikovsky está bem ciente de que as leis do universo de Newton, onde as forças gravitacionais regem o movimento de objetos grandes, não permitirão que planetas vaguem por aí. Assim, ele propõe uma física fundamentalmente nova de forças eletromagnéticas para corpos grandes. Em resumo, Velikovsky reconstruiria a ciência da mecânica celestial para preservar a precisão literal de lendas antigas.

Tendo inventado uma teoria cataclísmica da história humana, Velikovsky buscou então generalizar sua física estendendo-a ao longo do tempo geológico. Em 1955 ele publicou Terra em Motim [Earth in Upheaval], seus tratados geológicos. Depois de atacar a física moderna e de Newton, ele passou para Charles Lyell e a geologia moderna. Ele argumentou que se planetas vagantes tivessem nos visitado duas vezes dentro de 3.500 anos, então a história da Terra deveria estar marcada por suas catástrofes e não pela mudança lenta e gradual que o uniformitarismo de Lyell requeria.

Velikovsky varreu a literatura geológica dos últimos cem anos por registros de eventos cataclísmicos – enchentes, terremotos, vulcões, elevação de montanhas, extinções em massa e mudança de clima. Achando eventos assim aos montes, ele buscou uma causa comum: 

Súbito o agente deveria ter sido e violento; periódico deve ter sido, mas a intervalos altamente irregulares; e deveria ter sido de poder titânico. 

Não surpreendentemente, ele invocou as forças eletromagnéticas externas a Terra de corpos celestiais. Em particular, ele defende que estas forças perturbam a rotação da Terra – literalmente virando a Terra em casos extremos e trocando equadores e pólos. Velikovsky oferece um relato bastante colorido dos efeitos que poderiam acompanhar tal troca súbita no eixo de rotação da Terra: 

Naquele momento um terremoto faria o globo estremecer. Ar e água continuariam se movendo por inércia; furacões varreriam a Terra e os mares avançariam sobre os continentes. . . . O calor aumentaria, pedras derreteriam, vulcões entrariam em erupção, lava fluiria de fissuras no chão e cobriria áreas vastas. Montanhas se ergueriam de planícies. 

Se o testemunho de narradores humanos proveu a evidência para Mundos em Colisão, então o próprio registro geológico deveria bastar para Terra em Motim. Todo o argumento de Velikovsky depende de sua leitura da literatura geológica. Isto, eu acredito, ele faz bastante mal e negligentemente. Eu focalizarei nas falhas gerais de seu procedimento e não na refutação de alegações específicas.

Primeiro, a suposição de que semelhança de forma reflete simultaneidade de ocorrência: Velikovsky discute os peixes fósseis de Old Red Sandstone, uma formação Devoniana na Inglaterra (350-400 milhões de anos). Ele cita a evidência de morte violenta – contorção do corpo, falta de predição, até mesmo sinais de "surpresa e terror" gravados eternamente nas faces do fóssil. Ele deduz que alguma catástrofe súbita deve ter extirpado todos estes peixes; contudo, por mais desagradável que seja a morte de qualquer indivíduo, estes peixes estão distribuídos por centenas de pés de sedimentos que registram vários milhões de anos de deposição! Igualmente, as crateras da lua são semelhantes em aparência, e cada uma formada pelo impacto súbito de um meteorito. Mas esta afluência se distribui por bilhões de anos, e a hipótese favorecida de Velikovsky de origem simultânea através de borbulhamento na superfície de uma lua derretida foi conclusivamente desprovada pelas aterrissagens da Apollo.

Segundo, a suposição de que eventos são súbitos porque seus efeitos são grandes: Velikovsky escreve graficamente sobre as centenas de pés de água de oceano que evaporaram para formar as grandes capas de gelo do Pleistoceno. Ele só pode visualizar o processo como resultado de ebulição oceânica seguida por uma refrigeração geral: 

Uma sucessão incomum de eventos era necessária: os oceanos devem ter fervido em vapor e a água vaporizada deve ter caído como neve em latitudes de climas temperados. Esta sucessão de calor e resfriamento deve ter acontecido em sucessão rápida. 

Contudo, geleiras não se formam do dia para a noite. Elas se formaram "rapidamente" por padrões geológicos, mas os poucos milhares de anos de seu crescimento permitem amplo tempo para a acumulação gradual de neve através de precipitação nova fornecida a cada ano. Não é preciso fazer os oceanos evaporarem; ainda neva no norte do Canadá.

Terceiro, a inferência de eventos mundiais a pa
rtir de catástrofes locais: nenhum geólogo alguma vez negou que catástrofes locais aconteçam por inundações, terremotos ou erupção vulcânica. Mas estes eventos não têm nenhuma relação, de uma forma ou de outra, com a noção de Velikovsky de catástrofe global causada por mudanças súbitas no eixo da Terra. Não obstante, a maioria dos "exemplos" de Velikovsky são justamente de tais eventos locais combinados com uma extrapolação não comprovada para um impacto global. Por exemplo, ele escreve da Pedreira de Agate Springs em Nebraska – um "cemitério" mamífero local que contém os ossos (de acordo com uma estimativa) de quase 20.000 animais grandes. Mas esta agregação grande pode não registrar um evento catastrófico – rios e oceanos podem acumular quantidades vastas de ossos e conchas gradualmente (eu caminhei em praias compostas completamente de conchas grandes e pedregulhos de coral). Também, até mesmo se uma inundação local submergiu estes animais, nós não temos nenhuma evidência de que os irmãos contemporâneos deles em outros continentes foram minimamente incomodados.

Quarto, o uso exclusivo de fontes antigas: antes de 1850, a maioria dos geólogos invocava catástrofes gerais como o agente principal de mudança geológica. Estes homens não eram estúpidos, e eles defendiam sua posição com alguma força de convicção. Se nós lermos apenas seus trabalhos, suas conclusões parecem proceder. A discussão inteira de Velikovsky da morte catastrófica de fósseis de peixes europeus cita apenas o trabalho de Hugh Miller em 1841 e de William Buckland em 1820 e 1837. Seguramente os últimos cem anos, com sua literatura volumosa, contêm algo que valha a pena notar. Igualmente, Velikovsky confia no trabalho de John Tyndall de 1883 para as suas noções meteorológicas a respeito da origem das eras glaciais. Entretanto, dificilmente qualquer outro assunto foi discutido mais ativamente em círculos geológicos durante este século.

Quinto, descuido, inexatidão e manipulação: Terra em Motim está repleto de erros menores e meias-verdades, sem importância por si mesmos, mas refletindo seja uma atitude gentil para com a literatura geológica ou, mais simplesmente, uma falha em entendê-la. Assim, Velikovsky ataca o postulado uniformitarista de que causas presentes podem explicar o passado argumentando que nenhum fóssil está se formando hoje. Qualquer pessoa que tenha cavado ossos velhos de leitos de lagos ou conchas de praias sabe que esta alegação é simplesmente absurda. Da mesma forma, Velikovsky refuta o gradualismo Darwiniano com um argumento de que "alguns organismos, como a foraminifera, sobreviveram por todas eras geológicas sem participar da evolução." Esta alegação foi feita ocasionalmente em literatura mais antiga escrita antes que qualquer um tivesse estudado estas criaturas unicelulares seriamente. Mas ninguém manteve o argumento desde o trabalho descritivo volumoso de J. A. Cushman nos anos vinte. Finalmente, nós aprendemos que rochas ígneas – granito e basalto – "têm embutidas nelas inúmeros organismos vivos." Isto é novo para mim e para toda a profissão da paleontologia.

Mas todas estas críticas são pouco frente à refutação mais conclusiva dos exemplos de Velikovsky – sua explicação como conseqüência da deriva continental e placas tectônicas. E aqui Velikovsky não deve ser culpado. Ele simplesmente foi vítima – como tantos outros com opiniões mais ortodoxas e previamente apreciadas – desta grande revolução no pensamento geológico. Em Terra em Motim, Velikovsky rejeitou a deriva continental bastante razoavelmente como uma explicação alternativa para os fenômenos mais importantes que apóiam sua teoria catastrófica. E ele a rejeitou pela razão mais citada entre geólogos de então – a falta de um mecanismo para mover os continentes. Esse mecanismo foi proporcionado pela verificação do afastamento do fundo dos oceanos [Atlântico]. A cadeia africana não é uma rachadura formada quando a Terra se virou rapidamente; ela faz parte do sistema de cadeias da Terra e a junção entre duas placas de crostas. O Himalaia não subiu quando a Terra se virou, mas quando a placa Indiana lentamente empurrou a Ásia. Os vulcões do Pacífico, um "anel de fogo", não são o produto do derretimento durante o último deslocamento axial; eles marcam o limite entre duas placas. Há corais fósseis em regiões polares, carvão na Antártida e evidência de glaciação Permiana na América do Sul tropical. Mas a Terra não precisa ter se virado para explicar tudo isso; os continentes só precisam vagar de reinos de climas diferentes de sua posição presente.

Ironicamente, Velikovsky perdeu mais para as placas tectônicas do que seu mecanismo de mudanças de eixo; ele provavelmente perdeu toda a argumentação para sua posição catastrofista. Como Walter Sullivan defende em seu recente livro sobre a deriva continental, a teoria de placas tectônicas forneceu uma confirmação atordoante das preferências uniformitarianas para designar eventos passados a causas presentes agindo sem grande divergência de sua intensidade atual. Isto porque as placas estão se movendo ativamente hoje, levando seus continentes com elas. E um panorama extenso de eventos – o cinturão mundial de terremotos e vulcões, a colisão de continentes, a extinção em massa de faunas – pode ser explicado pelo movimento contínuo destas placas gigantescas a taxas de apenas alguns centímetros por ano.

O caso de Velikovsky eleva o que é talvez a pergunta mais perturbadora sobre o impacto público da ciência. Como um leigo deve julgar alegações conflitantes de supostos peritos? Qualquer pessoa com um dom para as palavras pode criar um argumento persuasivo sobre qualquer assunto em um domínio fora dos conhecimentos pessoais de um leitor. Até mesmo von Daniken soa bem se você ler apenas Eram os Deuses Astronautas. Eu não estou em posição para julgar o argumento histórico de Mundos em Colisão. Sei pouco sobre a mecânica celestial e ainda menos sobre a história do Reino Médio Egípcio (embora eu tenha ouvido os peritos criticarem a cronologia não ortodoxa de Velikovsky). Não pretendo assumir que o não-profissional deva estar errado. Ainda assim quando eu vejo como Velikovsky usa mal os dados com que estou familiarizado, então tenho que entreter dúvidas sobre a manipulação dele de material com que não estou familiarizado. Mas o que deve fazer uma pessoa que não conhece nem astronomia, egiptologia ou geologia – especialmente quando apresentada a uma hipótese tão intrinsecamente excitante e uma tendência compartilhada por todos nós, suspeito eu, de torcer pelo herege?

Nós sabemos que muitas crenças fundamentais da ciência moderna crescem como especulações heréticas avançadas por não-profissionais. Mas a história fornece um filtro parcial para nosso julgamento. Tecemos elogios ao herói não ortodoxo, mas para cada herege de sucesso, há cem homens esquecidos que contrariaram noções prevalecentes e perderam. Quem dentre vocês alguma vez ouviu falar de Eimer, Cuénot, Trueman ou Lang – os principais partidários da ortogênese (evolução dirigida) contra a maré Darwiniana? Entretanto, eu continuarei torcendo pela heresia pregada pelo não-profissional. Infelizmente, não acho que Velikovsky estará entre os vencedores neste jogo que é o mais difícil de todos de ganhar.

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