O Desastre do Comet Predito?
por Ron Butler, publicado no newsletter dos Georgia Skeptics vol.7/n.2 em 1994
Um dos casos mais notáveis seja de precognição psíquica ou coincidência envolve um romance curto de 1898 intitulado Futility [Futilidade]. Nele, o (na época) famoso escritor de histórias do mar Morgan Robertson contou a estória de um navio de linha transatlântico com 800 pés de comprimento chamado Titan, que colide com um iceberg em meio à névoa de uma noite de abril e afunda causando grande perda de vidas.
O Naufrágio do Titanic Predito?
Aparte das circunstâncias cruas da narrativa, o Titan fictício de Robertson combinava com as reais especificações do Titanic notavelmente bem – em comprimento, velocidade, capacidade de passageiros e número de barcos salva-vidas. Proponentes do paranormal citaram Futility como um exemplo de presciência de um grande evento.
Martin Gardner, em seu livro The Wreck of the Titanic Foretold?, considerou o livro de Robertson e outras "precognições" do desastre do Titanic e concluiu que o Titan combinava tão bem o real Titanic simplesmente porque o escritor conhecia o negócio de navios e como contar uma história envolvente. Em relação às circunstâncias do desastre – de que outra forma um escritor poderia, para seu enredo, afundar rapidamente um transatlântico "insubmergível" além de negligentemente lançá-lo contra um iceberg à noite?
O Desastre do Comet Predito?
Embora Futility permaneça como o caso mais interessante de "presciência" literária, eu me encontrei recentemente com outro exemplo, envolvendo a aviação.
Em 1948, o novelista Nevil Shute (que escreveria depois On the Beach e A Town Like Alice), publicou No Highway. O enredo gira ao redor de um novo tipo de avião britânico, o Rutland Reindeer, avião capitânia do serviço transatlântico britânico. Um cientista no Estabelecimento Real de Aeronaves descobre que o Reindeer [Rena, em inglês] está propenso à fadiga de metal (rachadura da estrutura causada por estresse repetitivo) e que a fadiga já causou um acidente fatal. Voando para investigar os destroços, ele descobre que o avião com que ele está cruzando o Atlântico – outro Reindeer – também está a ponto de se fragmentar. Para evitar que ele voasse de uma parada intermediária, ele puxa a engrenagem do trem de aterrissagem, incapacitando-o.
No próximo ano, em 1949, a companhia britânica de Havilland introduziu um novo avião a jato, o Comet [Cometa]. Depois de um período de serviço de grande sucesso, em 1954 ocorreram dois acidentes fatais e misteriosos com Comets e todos Comtes deixaram de voar. Depois de longa investigação, engenheiros e cientistas descobriram que o Comet havia sofrido de fadiga de metal e que isto havia causado os acidentes.
O incidente é de alguma significância uma vez que, durante os quatro anos nos quais o Comet foi desabilitado e passou por um novo projeto, as companhias americanas Boeing e Douglas introduziram seus aviões a jato 707 e DC-8, estabelecendo uma dominância americana sobre o Comet no mercado mundial de aviões a jato que continua até hoje. Se os Comets Mark I da de Havilland não fossem defeituosos, o equipamento voando pelas linhas aéreas de hoje poderia ser bastante diferente.
Acertos e Erros
Se nós olhamos além do tipo de sumário "Acredite se Quiser" acima, quão boa é a coincidência entre o Reindeer e o Comet? As especificações dos aviões se comparam tão bem quanto o Titan e o Titanic? Quanto do acidente do cenário de Shute é extrapolação razoável e quanto desafia uma explicação racional?
Com respeito a isso, as especificações para o Reindeer de Shute não são muito próximas do Comet quanto o Titan de Robertson está para o Titanic. Uma leitura minuciosa de No Highway (e alguma extrapolação judiciosa) permite uma comparação entre o Reindeer e o Comet (Veja a tabela).
Reindeer | Comet | |
Comprimento | ~100 pés | 93 pés |
Peso máximo decolagem | 144,000 lb | 105,000 lb |
Motores | 6 motores a pistão | 4 turbojatos DH Ghost |
Velocidade de cruzeiro | ~315 mph | 490mph |
O Reindeer é uma extrapolação realística se não bastante conservadora do que um avião transatlântico do futuro próximo se pareceria do ponto de vista de 1946 ou 1947, quando o romance foi escrito. Deveria ser: O nome real de Nevil Shute era a Nevil S. Norway e ele era, até a irrupção da Segunda Guerra Mundial, um engenheiro aeronáutico na Inglaterra razoavelmente proeminente. Ele tinha estado profundamente envolvido na construção do dirigível R-100, e foi um fundador da Airspeed Ltd., uma companhia de construção de aeronaves de médio porte. Se os detalhes do Reindeer soam verídicos, é porque ele foi concebido por um homem cujo negócio era projetar aviões.
Shute se ateve à fadiga de metal como meio de derrubar seu desafortunado avião praticamente do mesmo modo que Robertson resolveu usar um iceberg. A fadiga pode causar uma falha súbita e catastrófica da estrutura de um avião, mas até o momento da falha os sinais de fadiga podem ser sutis e facilmente negligenciados. Era perfeito para as exigências do enredo de Shute.
Embora a fadiga de metal tenha sido conhecida desde o século dezenove, se tornou um tópico "quente" em círculos de engenharia aeronáutica apenas depois da Segunda Guerra Mundial, devido à introdução nos anos 30 de estruturas completamente de metal e à tremenda quantidade de experiência que a guerra forneceu em aeronaves de transporte operando exatamente no tipo de condições que dão origem à fadiga. A verdadeira surpresa é que os projetistas do Comet, nestas circunstâncias, deram tão pouca atenção ao assunto. Outros fabricantes, projetando aeronaves menos radicais na mesma época, dedicaram atenção judiciosa à fadiga e evitaram os problemas da de Havilland.
É bom notar o número vezes em que personagens no romance iniciam falas com uma frase semelhante a "eu estou neste ramo a XX anos, e–", então procedem para fornecer uma "opinião de perito" completamente errada. Shute assimilou que a Segunda Guerra Mundial tinha transformado o sonolento negócio industrial de construção de aviões em um gigante industrial notável por sua taxa constantemente acelerada de inovação técnica — inovação que poderia levar os imprudentes e complacentes ao desastre. Ele não teve que esperar quatorze anos para ver essa "profecia" cumprida. A qualidade que mais me impressionou comparando o romance de Shute ao caso real do Comet foi como a realidade superou a ficção de quase todas formas: Houve dois
acidentes reais de Comets ao invés vez do único acidente do Reindeer. Os Comets foram destruídos quase instantaneamente pela ruptura violenta de suas fuselagens sob pressão, ao invés da perda relativamente inócua do leme horizontal do Reindeer. E a queda do Comet teve efeitos de longo alcance nas indústrias de aviação americana e britânica em contraste com o "conserto rápido" das falhas do Reindeer nas últimas páginas do romance. Se Shute tivesse uma visão do futuro, ele deve tê-la reduzido para escrever uma ficção crível a partir dela.
Lembrando Melhor
Quando eu notei pela primeira vez a coincidência do Reindeer fictício e o Comet real, fazia muitos anos desde que havia lido No Highway. Relendo o romance, descobri que havia lembrado da combinação melhor do que realmente era, um fenômeno nada incomum ao lidar com coincidências notáveis.
A diferença principal foi que eu tinha me "lembrado" do Reindeer como tendo motores de turbo-hélice, isto é, hélices movidas por turbinas a gás. O motor turbo-hélice está a meio caminho entre motores de pistão e turbojatos, e era, de acordo com o conhecimento convencional de engenheiros aeronáutico c. 1948, a escolha óbvia para aviões futuros de longo alcance. Turbojatos da época eram considerados economicamente inviáveis devido ao consumo de combustível alto, assim foi uma inovação surpreendente quando de Havilland saltou diretamente de hélices para jatos. Shute, em todo caso, nem mesmo havia equipado seu Reindeer com turbo-hélices, entretanto eu tinha me lembrado disto assim.
Segundo, eu tinha me "lembrado" de dois acidentes de leme horizontal em No Highway, em vez do único que pode ser achado lá. Em retrospecto, percebi que foi o filme com Jimmy Stewart/Marlene Dietrich feito do romance que mostrou dois acidentes. Contudo, um era do rabo do Reindeer montado para teste e destruição, assim nem mesmo o filme se compara à realidade neste caso!
Pontos em um Gráfico
No Highway é um ponto de dado útil no espectro entre coincidências cotidianas que ninguém nota e coincidências complexas e assustadoras como Futility que quase imploram para ser explicadas por meios paranormais. O romance de Shute reside em algum lugar no meio do caminho. O autor errou no lado conservador ao projetar seu veículo condenado, mas fez bem ao identificar a fadiga de metal como um problema assombrando os projetistas de aeronave. Agora, se apenas houvesse uma semelhança surpreendente de nomes para completar este caso, como Titanic/Titan…
Mas é claro! Papai Noel não tinha uma Rena [Reindeer] chamada Cometa [Comet]?
* * *
Fontes:
– Gardner, Martin, ed., _The Wreck of the Titanic Foretold?_, Prometheus Books, 0-87975-144-4
– Gunston, William, _Plane Speaking_, Patrick Stephens Limited, 1-85260-166-3
– Shute, Nevil, _No Highway_, Queens House
– Shute, Nevil, _Slide Rule_, Morrow/Ballantine, 345-02991-7-095
– Aircraft Archive, _Postwar Jets_, Vol. 3, Argus Books, 0-85242-967-3
Reconhecimento:
Agradecimentos a James D. Young II por informação adicional sobre o de Havilland Comet